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A poeta de sábado é Cecília Meireles




Cecília Meireles foi a primeira mulher a receber o prêmio da Academia Brasileira de Letras, em 1939. Em 1989 foi homenageada pela Casa da Moeda, que estampou seu rosto como fundo da nota de 100 cruzados novos. Foi poeta, jornalista, cronista, escreveu para o público infantil e atuou como professora. Cecília Meireles também esteve engajada na defesa de uma educação pública, laica e de alto nível, como caminho para diminuir as desigualdades sociais do país.




Poesia Completa, 1973, editora Civilização Brasileira.




Trecho da entrevista de Cecília Meireles ao jornalista Pedro Bloch. Publicada originalmente na revista Manchete, edição nº 630, em 16 de maio de 1964. Posteriormente no livro Pedro Bloch Entrevista, Bloch Editores, em 1989.


CM - Tenho um vício terrível - me confessa Cecília Meireles, com ar de quem acumulou setenta pecados capitais. Meu vício é gostar de gente. Você acha que isso tem cura? Tenho tal amor pela criatura humana, em profundidade, que deve ser doença." Em pequena ("eu era uma menina secreta, quieta, olhando muito as coisas, sonhando") tive tremenda emoção quando descobri as cores em estado de pureza, sentada num tapete persa. Caminhava por dentro das cores e inventava o meu mundo. Depois, ao olhar o chão, a madeira, analisava os veios e via florestas e lendas. Do mesmo jeito que via cores e florestas, depois olhei gente. Há quem pense que meu isolamento, meu modo de estar só ("quem sabe se é porque descendo de gente da Ilha de São Miguel em que até se namora de uma ilha pra outra?"), é distância quando, na realidade, é a minha maneira de me deslumbrar com as pessoas, analisar seus veios, suas florestas.

PB - Cecília é carioca. Nasceu em novembro, dia de S. Florêncio (filha de Matilde e Carlos Alberto de Carvalho Meireles, funcionário do Banco do Brasil), em Haddock Lobo, na Rua São Luís. Seriam quatro irmãos, mas nunca chegaram a ser dois sequer, porque, mal nascia um, o outro já tinha morrido. Só ficou Cecília. Perdeu a mãe com três anos e meio, tendo sido criada pela avó, Jacinta Garcia Benevides, da Ilha de São Miguel, Açores, descendente de gente que andou do lado do Infante D. Henrique. A ela dedica Cecília:


Minha primeira lágrima caiu dentro dos teus olhos

Tive medo de a enxugar: para não saberes que havia caído ...

No dia seguinte, estavas imóvel, na tua forma definitiva,

Modelada pela noite, pelas estrelas, pelas minhas mãos.

CM - Minha primeira escola foi a Estácio de Sá, que depois passou a Escola Normal, onde me formei. Olhando para trás me sinto uma criança extremamente poética. Em casa de meu padrinho, Louzada, onde brincava, sempre silenciosa e observado-a, via estátuas, pinturas, coleções de pequeninos, objetos e leques em vitrinas, coisas que me levaram a fazer o Inventário Lírico. A casa de minha avó chegavam continuamente malas, de gente da família que ia faltando e eu, muitas coisas, em vez de conhecê-las em seus lugares, via-as saindo de malas. Lembro bem de uma da qual saíram: uma capa de seda de mamãe, uma fantasia de dominó, roupas de banhos de mar listradas da época. O enxoval foi mais longo que a dona. Ela só esteve casada seis anos.

Vovó era uma criatura extraordinária. Extremamente religiosa, rezava todos os dias. E eu perguntava: "Por quem você está rezando?" "Por todas as pessoas que sofrem." Era assim. Rezava mesmo pelos desconhecidos. A dignidade, a elevação espiritual de minha avó influíram muito na minha maneira de sentir os seres e a vida.

Uma das coisas que mais me encantavam em minha vida de infância era o eco que vivia em casa de minha avó. Eu vivia procurando o meu eco. Mas tinha vergonha de perguntar. Recolhida, tímida, deslumbrada, me debruçava no mistério das palavras e do mundo. Queria saber, mas tinha imenso pudor de confessar minha ignorância.

Terminada a Escola Normal, fui lecionar o primário, ainda com um jeito de menina, num sobrado da Avenida Rio Branco. Ali, na mesma sala, havia duas turmas e duas professoras, a metade voltada para cada lado. Pois as crianças, vendo-me quase tão menina quanto elas, viraram quase todas para mim. Sempre gostei muito de ensinar. Trabalhei na Escola Deodoro, ali junto ao relógio da Glória. Fui professora de Literatura da Universidade do Distrito Federal. Criei a primeira biblioteca infantil, ali onde era o Pavilhão Mourisco. Criança que não tivesse onde ficar podia encontrar o livro que lhe faltava, coleção de selos, moedas, jogos de mesa, sonhos, histórias e as explicações de professoras prontas e atentas. Acabou, depois de quatro anos, mas frutificou em São Paulo onde hoje existe até biblioteca infantil para cegos. Também ensinei História do Teatro na Fundação Brasileira. O resto da minha atividade didática está nas conferências em que sempre procuro transmitir algo.

Você sabe que eu tenho muito medo da literatura que é só literatura e que não tenta comunicar?


Manoel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles e Vinicius de Morais.

Rio de Janeiro, 1962.


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