Foto de Robert Deutsch, 2008.
Poeta, atriz, cantora, bailarina, escritora, cozinheira, jornalista, motorista de bonde, prostituta, ativista. Maya Angelou foi tudo isso e muito mais. Nascida em 4 de abril de 1928, Marguerite Annie Johnson, era a segunda filha de um porteiro e nutricionista da marinha e uma enfermeira. O nome Maya foi dado pelo seu irmão – uma derivação de “mya sister” (minha irmã) e, quando eram pequenos, foram morar com a avó paterna no Arkansas, depois da separação dos pais. Annie Henderson era um ponto fora da curva à época: durante a Grande Depressão e a Segunda Guerra, conseguiu acumular algum dinheiro graças a uma loja que vendia artigos de primeira necessidade. A preta-velha era também um grande modelo para Maya que, sem a mãe, começou a entender o que significava ser uma mulher negra nos EUA.
Foram muitas idas e vindas à casa materna e, numa dessas ocasiões, Maya foi estuprada pelo namorado da mãe. Ela contou para o irmão, que contou para o restante da família. O homem foi julgado, declarado culpado, mas só foi condenado a um dia de prisão. Foi assassinado quatro dias depois de ser solto, muito provavelmente pelos tios de Maya. A situação toda foi tão traumática que a menina ficou cinco anos sem falar. Acreditava que dizer seu nome tinha matado o sujeito e permaneceu muda durante quase cinco anos acreditando que “minha voz o havia matado; eu matei aquele homem porque disse seu nome. E depois pensei que nunca mais voltaria a falar, porque minha voz poderia matar qualquer um…”
Não havia mais palavras a serem ditas. Maya acreditava que sua voz “poderia matar qualquer um...”. Porém, é também pela palavra que tentamos organizar o caos que é viver. Assim, nesse período, Maya Angelou desenvolve sua memória, o amor pelos livros e pela literatura e uma grande habilidade de observação e escuta. Ao retornar à casa da avó, com ajuda de uma amiga e professora, Maya recupera a fala e é apresentada a Charles Dickens, William Shakespeare, Edgar Allan Poe, Douglas Johnson e James Weldon Johnson, Frances Harper, Anne Spencer e Jessie Fauset; grandes influências na sua vida e carreira.
Amiga de Luther King, conversava com Malcom X: Maya se torna uma forte defensora dos direitos civis e a igualdade. No início dos anos de 1960, Maya aprimora a escrita e, incentivada por amigos como James Baldwin, Angelou começou a escrever sua primeira autobiografia, Sings’ (Eu Sei Porque o Pássaro Canta na Gaiola), sobre seus primeiros anos de vida, que lhe valeu uma indicação para o National Book Award em 1974. Em 1979, Angelou a adaptou para um roteiro de televisão e produziu os volumes seguintes de sua autobiografia até 2002. Ao todo, foram sete autobiografias, uma indicação para o prêmio Pulitzer, três para o Grammy e mais de meia centena de títulos honoríficos, apesar de nunca ter tido um título universitário.
Mas tem definição mais bela e profunda de escrevivência do que escrever para (continuar a) viver? Existe comparação entre conhecimento acadêmico (branko-cis-hétero-patriarcal) e a ancestralidade, a pedagogia da encruzilhada¹?
Maya Angelou faleceu em 28 de maio de 2014, aos 86 anos. Para pensar este 20 de novembro e todos os outros dias do ano que também demandam que vivamos com consciência, invoco Maya e entoo dois de seus textos. Por mais amedrontada que eu esteja – e seja – seguro em sua mão e, quase como um mantra, me deixo crer que A Vida Não me Assusta².
Por mais difícil que seja existir num mundo no qual a minha humanidade é questionada diariamente, Ainda Assim Eu Me Levanto³.
Maria Carolina Casati
curadora da #PRETAPALAVRA
¹ Pedagogia das Encruzilhadas, livro por Luiz Rufino, Ed. Mórula Editorial.
²A Vida Não Me Assusta, 1993
Poema de Maya Angelou com pinturas de Jean - Michel Basquiat. As imagens utilizadas no post são da primeira edição brasileira, lançada em 2018 pelo selo Caveirinha, Ed. Darkside.
https://www.darksidebooks.com.br/a-vida-nao-me-assusta-245/p#infos
³Poema do livro And Still I Rise: A Book of Poems,1978
Tradução do site Portal Geledés.
*Fontes
https://vermelho.org.br/2018/04/13/maya-angelou-uma-vida-completa/
Foto de Brigitte Lacombe, 1987
uma série de cursos, oficinas, aulas abertas e produção de conteúdo digital, que visa apresentar textos, poemas e pensamentos de mulheres negras, divulgando a "escrevivência" em seu sentido mais ancestral.
Conheça outras ações da iniciativa #PRETAPALAVA:
https://www.acapivaracultural.com.br/pretapalavra
Maria Carolina Casati é professora e escritora. Leitora voraz, apaixonada pela palavra, se dedica a pesquisas usando a metodologia da história oral. É idealizadora do @encruzilinhas, um projeto de leitura e debate de textos sobre negritude, gênero, feminismos e militância. Cursa o doutorado na EACH-USP, do Programa de Pós-Graduação em Mudança Social e Participação Política. Seu projeto, por meio da história oral de vida, analisa narrativas de mulheres negras casadas com italianos.
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