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As s&lfies de Anne Portugal - Tradução&poesia

Traduções de Ana Cláudia Romano Ribeiro


Apresento aqui minha quinta descoberta: as s&lfies da poeta Anne Portugal (Angers, 1949) S&lfies é o título de um livro de poemas publicado em 2023 pela P.O.L. Cheguei a elas porque encontrei o nome de Anne Portugal na antologia Sud-express. Poesia francesa de hoje, coordenada por Guilhermina Jorge, Jean-Pierre Léger e Etienne Rabaté (Relógio d’Água, 1993) e porque, há algum tempo, Pierre Alféri citou Anne Portugal como poeta importante para ele e isso ficou na minha cabeça. Joguei o nome na internet e me deparei com um vídeo, uma fala dela a respeito das recém-lançadas s&lfies. Achei tudo tão empolgante que retomo aqui o que ela diz sobre a origem desse livro.



Anne Portugal © John Foley/P.O.L


Segundo Anne Portugal, o livro nasceu de uma dificuldade. Quando lhe pediam que escrevesse sobre um autor ou autora para homenageá-lo, ela ficava sem saber direito como fazer isso e não aceitava o convite. Poemas de ocasião, para ela, eram mais traição que homenagem; por outro lado, ela gostava dos poemas de ocasião do Mallarmé e do Apollinaire. Depois de um tempo, ela descobriu um modo próprio de prestar homenagem: entrar na foto da pessoa homenageada, com a pessoa. Uma selfie com a pessoa, na qual elas se aproximam, as cabeças podem se encostar, as bochechas, os ombros, num “momento de proximidade fugaz”, diz Anne. As s&lfies são “poemas de aproximação fugaz”: duas pessoas, duas colunas, dois poemas colocados lado a lado, que podem ser lidos separadamente (uma coluna de cada vez), mas com um ou mais versos comuns a ambos (uma espécie de jugo – como aquele que junta dois bois), ou que podem ser lidos horizontalmente, formando um só verso (a linha de uma coluna seguida da linha correspondente da segunda coluna, linhas que à vezes se esbarram).


S&lfies, com esse “e relacional” (“e comercial”, em português; em francês, esperluette; em inglês, ampersand), é um conjunto de retratos com duas pessoas. Muitos deles foram encomendas. Eu & outra pessoa. Pessoas amigas, que Anne homenageia em retratos feitos com palavras.


Os três retratos traduzidos aqui estão disponíveis na voz da própria autora no vídeo “Anne Portugal: S&lfies”, disponível no canal de Jean-Paul Hirsch no youtube:




sur une terrasse à clamart


l’appréciation du côté duquel une amie

avec pour conséquence d’y appuyer la joue

l’image du balcon amplifié

appliquant les systèmes de sécurité

à des décollages sur des raccords de fresques

sur des vagues pas trop méchantes

les associant avec la forme ronde

à la vie en principe perpétuelle

sans y appartenir



num terraço em clamart


a apreciação do lado do qual uma amiga

tendo como consequência apoiar a bochecha

a imagem da varanda amplificada

aplicando os sistemas de segurança

nos descolamentos dos pontos de junção dos murais

sobre ondas não muito ruins

associando-as com a forma redonda

com a vida em princípio perpétua

sem pertencer


Tradução de Ana Cláudia Romano Ribeiro




les trois soeurs


vous avez une majorité de coeurs

à scinder chacune peut le savoir

frise épaisse c’est-à-dire un blason

bande qui a un sens un dragon

croisé garde l’autre à guichet fermé

vitrine d’abord à présenter

en dépassant d’autant

vous entourez votre relation

de fil blanc qu’on a failli ne pas voir



as três irmãs


vocês têm uma maioria de corações

para cortar cada uma pode saber disso

um friso bem grosso quero dizer um brasão

faixa que tem um sentido um dragão

cruzado fica com o outro que já está esgotado

vitrine primeiro para apresentar

excedendo tanto

vocês cercam a relação de vocês

de linha branca que a gente quase não percebe


Tradução de Ana Cláudia Romano Ribeiro




un selfie devant l’étang


en plein jour nous vivons en épaisseur générale

par extension ordinaire de la vase

ce petit clan jambes écartées si on le met à l’air libre

s’agite à l’excès s’intercale

au chiffon rouge se présente au monde

prompteur par-dessus défilant



uma selfie na frente do lago


em pleno dia a gente vive em espessura geral

por extensão comum da lama

esse pequeno clã pernas afastadas se é colocado ao ar livre

agita-se em excesso se intercala

com o pano vermelho apresenta-se para o mundo

teleprompter por cima avançando


Tradução de Ana Cláudia Romano Ribeiro





Ana Cláudia Romano Ribeiro desenvolve projetos nos campos da tradução, das artes visuais, da escrita e da performance. Suas áreas de formação são Letras, Etnomusicologia, Teoria e História Literária e Estudos Clássicos. Atualmente é professora de literaturas de língua francesa no Departamento de Letras da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Em 2022, fez a curadoria do #poesiaqueer para A Capivara Cultural, onde coordena o NaLetra, com Deise Abreu Pacheco. Publicou O fragmento 31 de Safo e outros poemas (Urutau, 2023), A casa das pessoas (poemas, 7Letras, 2023), A vida de Deise, com Deise Abreu Pacheco (tirinhas, Hucitec, 2022), Sol talvez seja uma palavra (com o coletivo Anáguas, 7Letras, 2022) e Ave, semente (Editacuja, 2021). Duas de suas publicações mais recentes em periódico online são uma resenha desenhada para o romance desenhado Autoportrait de Paris avec chat, de Dany Laferrière (Criação & Crítica, 32, 2022), e “Figurações de pessoa-planta: traduzindo o poema Les pur-sang, de Aimé Césaire, à luz dos ensaios de Suzanne Césaire" (Translatio, 25, 2023). Traduziu, anotou e organizou a Utopia (1516) de Thomas More (Editora da UFPR), no prelo.







#tradução&poesia








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