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Cristina Peri Rossi - Tradução&poesia, por Ayelén Medail



Cristina Peri Rossi nasceu em Montevidéu, Uruguai, em 1941, a primeira de duas filhas de um matrimônio de ascendência italiana. Com pai operário têxtil e mãe professora de literatura, a economia doméstica não era suficiente para nutrir a voracidade intelectual da filha que, já na primeira infância, anunciava que seria escritora. A biblioteca do tio, um funcionário público de baixa posição, culto e marxista, porém misógino, foi o reduto de suas primeiras leituras. Quando já tinha lido quase todo o acervo, interpelou o tio questionando a pouca presença de escritoras mulheres (só havia um exemplar de Safo de Lesbos, um de Alfonsina Storni e outro de Virginia Woolf), então o adulto inquiriu se a adolescente sabia como essas escritoras haviam concluído seus dias e arrematou com um pseudo-ensinamento: “Viu? As mulheres não escrevem, e quando escrevem, se suicidam”.


Mas o suicídio nunca foi uma opção para Cristina, nem sequer quando teve que se exilar na Espanha e logo na França, porque era perseguida pelo governo autoritário de Uruguai por causa de sua árdua militância política nas filas do Frente Amplio, uma organização que buscava superar o bipartidarismo da nação e o avanço de direita. Em Montevidéu, Peri Rossi chegou a concluir sua graduação em Letras no Instituto de Professores Artigas – um prestigioso centro acadêmico de formação de professores –, e até começou a lecionar na mesma instituição e logo na Universidad de la República.


Também chegou a publicar três livros em sua terra natal, sendo Los museos abandonados (1968) e El libro de mis primos (1969), seu segundo e terceiro livro de contos, premiados. A prosa de Peri Rossi já abordava as questões que desatariam décadas de violência no continente. Provocadora e quase sempre com protagonistas masculinos, sua narrativa a levou a ser colocada como uma das poucas mulheres da geração do Boom latino-americano, embora depois isso tenha sido revisado devido a questões geracionais. Dentro da sua vasta obra em prosa, cabe destacar La nave de los locos (1984), em clara referência à obra de Bosch, na qual Peri Rossi constrói uma extravagante metáfora do seu exílio; também o único livro publicado no Brasil pela editora Gradiva, Espaços íntimos (2017), tradução de Adriana Carina Camacho Álvarez.


Seu primeiro livro de poesia foi publicado pouco tempo antes do exílio em Barcelona, sob o título de Evohé (1971), e causou um grande impacto na sociedade uruguaia por causa do eu lírico erotizado e homoafetivo. E essa será a marca de sua poesia na qual palavra e amada se confundem, se fusionam e a obsessão pela linguagem conduz sua poética. Apelidada por Ángel Rama de “A Rimbaudcita”, Cristina Peri Rossi já publicou dezoito livros de poesia e, embora seja um ímprobo destacar só alguns, recomendamos, com afinco, ir à caça de Otra vez Eros (Lumen, 1984), Estrategias del deseo (Lumen, 2004), assim como da Poesía Completa publicada pela editora Visor (2022).


Digo caça porque, antes de entrar nos poemas, é mister esclarecer que seus livros não são fáceis de achar até mesmo nos países de língua espanhola, ainda que depois do Prêmio Cervantes muitos foram reeditados. Outra questão é que, infelizmente, no Brasil ainda é pouco lida. A única obra traduzida é uma coletânea de contos, Espaços Íntimos, publicada pela editora Gradiva (2017) com tradução de Adriana Carina Camacho Álvarez. Porém, está esgotada. Soube que um amigo, Cesare Rodrigues, traduziu um poema dela que saiu publicado na revista Despacho (Corsário-Satã, s/d), mas não consegui achar na web. Sendo assim, para esta edição, selecionei e traduzi três poemas.


O primeiro poema, meu xodó, foi publicado no livro Estrategias del deseo (2004). Nele, o tom satírico para abordar um dos fatos históricos mais relevantes do século XXI, revela seu posicionamento político anti-imperialista e sua afirmação homossexual.






O segundo poema escolhido e traduzido desvela o mecanismo poético de Peri Rossi, assim como sua obsessão maior: a palavra. Foi publicado no seu primeiro livro Evohé (1971).




No terceiro poema, assim como no primeiro e diferentemente da poeta que prestigiamos no post anterior (Gioconda Belli), evoca um amor erótico lésbico. Encontra-se no livro Babel Bárbara (1991).






Cristina Peri Rossi recebeu muitos prêmios durante sua trajetória, entre os que listamos o Premio Award Book de Poesía (1992), o Premio Internacional de poesía Rafael Alberti (2000), o Premio Don Quijote de Poesía (2013) e o prestigioso Prêmio Cervantes (2022), sendo a sexta mulher a ganhar o galardão. Na ocasião, a poeta não pôde comparecer devido a questões de saúde e enviou um discurso que foi lido pela atriz argentina Cecilia Roth, no qual ressalta sua condição de mulher e de ativista pela luta dos direitos humanos. O discurso completo encontra-se em:



Após receber a nacionalidade Espanhola, Cristina radicou-se definitivamente na cidade de Barcelona, onde mora atualmente. Diante da insistente pergunta sobre seu retorno a sua cidade natal, Peri Rossi responde que não está em condições de passar novamente por um exílio.


Para finalizar deixo um vídeo da autora lendo o poema “Once de septiembre”.












Ayelén Medail é pesquisadora, tradutora e professora. Oriunda de Entre Ríos, Argentina, mora no Brasil desde 2012. É doutoranda em Literatura Hispano-americana pela USP, onde pesquisa os ensaios de Gabriela Mistral e Alfonsina Storni em chave ginocrítica. Traduziu Dezenove garras e um pássaro Preto e Saboroso Cadáver, de Agustina Bazterrica (Darkside), História do Leite, de Mónica Ojeda (Jabuticaba) e A arte do erro, de María Negroni, em parceria com Diogo Cardoso (100/cabeças).










#tradução&poesia








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