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Duas poetas da Guiana Francesa: Eugénie Rézaire e Assunta Renau Ferrer - Tradução&poesia

Tradução de Josilene Pinheiro-Mariz.


Apresentação de Ana Cláudia Romano Ribeiro, que dedica este post a Gabriela Rodrigues de Oliveira, Ghustavo Muniz e Pietro Mariano, seus alunos da UNIFESP que ensinaram português

na Guiana Francesa.


Há algum tempo, uma sequência de acontecimentos me levou a pensar na Guiana Francesa, sua história, suas línguas e sua literatura, que eu desconhecia praticamente por completo. O primeiro deles: alunos queridos da UNIFESP tornaram-se Assistentes de língua portuguesa na Guiana Francesa dentro de um programa gerido pela France Éducation International em parceria com a Embaixada da França. Em seguida, li um poema de Eugénie Rézaire e dois de Assunta Renau Ferrer no artigo “Viagem pelas águas da Guiana Francesa na voz de duas poetas: Eugénie Rézaire e Assunta Renau Ferrer”, de Josilene Pinheiro-Mariz (professora na Universidade Federal de Campina Grande), publicado no número 25 (2022) da revista online Cadernos de Literatura em Tradução (USP) em um dossiê sobre literatura da Guiana Francesa, organizado por Dennys Silva-Reis (Universidade Federal do Acre) e Rosária Costa Ribeiro (Universidade Federal de Alagoas). Por fim, participei, com Giulia Manera (da Université de Guyane) de uma banca de qualificação sobre Opacidade e polifonia no romance-mundo Entre l’arbre et l’écorce, de Françoise James-Ousénie, dissertação de mestrado de José Barreto Romariz dos Santos Junior, orientada no Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Amapá por Natali Fabiana da Costa e Silva, que atualmente faz um mapeamento da literatura de autoria feminina na Guiana Francesa em uma pesquisa de pós-doutorado. Aqui estão, então, na continuidade desses encontros e confluências, os poemas Qui se souviendra du pays de Guyane?/Quem se lembrará do país da Guiana?, de Eugénie Rézaire, Poème des pluis d’avril/Poemas de chuvas de abril e Ceux dont les mains nous parlent/ Aqueles cujas mãos nos falam, de Assunta Renau Ferrer, na tradução de Josilene Pinheiro-Mariz, a quem agradeço por ter gentilmente autorizado a publicação de suas traduções. Os três poemas estão presentes na antologia Outremer: trois océans de poésie (Éditions Bruno Doucey, 2011).


Eugénie Rézaire nasceu em 1950, em Caiena, na Guiana Francesa, e fez seus estudos universitários na França e nos Estados Unidos. De volta à sua terra natal, trabalhou como professora de inglês e fundou a Association des amis de Léon Damas, da qual foi presidente. Em 1998, tornou-se representante regional pelo Partido Socialista Guianense. Foi suplente de Christiane Taubira nas eleições legislativas e, em 2020, concorreu às eleições para o senado. Não encontrei informações sobre suas publicações, além de Pirogue pour des temps à venir (1987) e de sua participação em antologias.




Assunta Renau Ferrer nasceu em 1959, no Oiapoque, Brasil, e em 1964 mudou-se para a Guiana Francesa, onde vive até hoje. Essa poeta franco-brasileira tornou-se professora da Escola Normal de Caiena e especializou-se em Línguas e Cultura Regionais. Ela tem poemas publicados em diversas antologias, como Traversée de la poésie guyanaise (2004) e Outremer: trois océans de poésie (2011), e musicados pelo cancionista Yves Rollus. Alguns de seus livros são Jeux de maux (1981), Mon coeur est une mangrove (1996) e Le vent m’a dit un soir (1999).




Josilene Pinheiro-Mariz possui graduação em Letras Português-Francês pela Universidade Federal do Maranhão (1996), mestrado (2001) e doutorado (2008) em Letras (Estudos Linguísticos, Literários e Tradutológicos em Francês) pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, da Universidade de São Paulo e Pós-Doutorado pela Universidade Paris 8 -Vincennes-Saint Denis (2013), sobre o texto literário escrito por autoras de língua francesa fora do Hexágono. Professora Associada na Unidade Acadêmica de Letras, da Universidade Federal de Campina Grande, atuando na graduação em Letras- Língua Portuguesa e Língua Francesa e na Pós-Graduação em Linguagem e Ensino (Mestrado e Doutorado). Participou como pesquisadora no projeto DIPROLínguas: Distância e proximidade entre português, francês e outras línguas: potencial da reflexão comparativa (2018-2022) CAPES-COFECUB. Atua principalmente nas seguintes áreas: Estudos da relação entre língua e literatura, confluindo para reflexões sobre literaturas “ditas francófonas”, africanas e de diáspora; formação de leitores de textos literários em língua estrangeira e materna (FLE e PLE); intercompreensão de línguas românicas; didática de línguas/literaturas e ensino de FLE (crianças e adultos), estudos interculturais e ensino. Foi tutora do PET-Letras /UFCG e Professora Convidada na Université Paris 8. É editora da revista Letras Raras. (Fonte: Currículo Lattes)




Qui se souviendra du pays de Guyane?

Eugénie Rézaire


L’Indien est mort d’avoir sevré notre enfance

Et puis,

Que faire qui ne soit

Le respect de nous-mêmes, par nous-mêmes admis?

Que dire, malgré les uns et les autres,

Contre la morgue de l’étranger-roi,

Et le rythme étrange d’une humanité déchue,

À cause de barques négrières en délire?

Nous ne serons que ce que nous voulons être,

Par-delà nos tentatives à risques calculés.


Que ramener à nous,

Insulaires sur un continent de civilisations échouées?

J’ai mille pensées ancrées, arrimées à des parfums de violence.


Que faire de tous ces objets

Qui nous encombrent l’espace et le devenir,

Modernisés pour mieux détruire

Enguirlandés pour mieux séduire,

Multipliés pour mieux réduire?

Que dire de ces vivats au colon

Installé à Macouria ou à Mana en pleine savane?

Que penser de l’administrateur du pillage,

Économiquement ou culturel,

Tortueux et avide?

Que dire à ceux,

Qui ne seront ni épargnés, ni sauvés, ni sauvés, ni même protégés

Ou amnistiés,

Parqués de l’île à la forêt,

Traqués, puis cernés,

Emmenés puis aliénés?

Comment retarder la destruction prochaine,

L’implantation factice d’espaces verts,

La monté architecturale des prisons vitrées,


L’isolement de l’enfant dans sa tour de béton armé


Qui se souviendra du pays de Guyane,

Victime des promesses,

Et malade de son passé truqué?


Qui donc se souviendra, petite soeur sauvage,

Du pays de Guyane,

Lorsque l’enfance matraquée des bourgs

Ira s’enfoncer dans la folle idiotie

Des concentrations de la ville?


Qui se souviendra du pays de Guyane?

L’Indien est mort d’avoir sevré trop tôt notre

enfance…


Pirogue pour des temps à venir, 1987




Quem se lembrará do país da Guiana?

tradução de Josilene Pinheiro-Mariz


O índio morreu por ter desmamado nossa infância ...

E então,

O que fazer a não ser

O respeito a nós mesmos, por nós mesmos admitido?

O que dizer, apesar de uns e de outros,

Contra a arrogância do estrangeiro-rei,

E o estranho ritmo de uma humanidade caída,

Por causa dos batéis negreiros delirantes?

Seremos apenas o que queremos ser,

Para além de nossas tentativas de riscos calculados.


O que trazer de volta para nós,

Insulares em um continente de civilizações fracassadas?

Tenho mil pensamentos ancorados, amarrados a perfumes de violência.


O que fazer com todos esses objetos

Que nos destroçam o espaço e o futuro

Modernizados para melhor destruir

Embelezados para melhor seduzir,

Multiplicados para melhor reduzir?

O que dizer desses vivas ao colono

Instalado em Macouria ou em Mana no meio da savana?

O que pensar do administrador da pilhagem,

Econômico ou cultural,

Tortuoso e ganancioso?

O que dizer a esses,

Quem não serão poupados, nem salvos, nem mesmo protegidos

Ou anistiados,

Deixados da ilha à floresta,

Caçados, depois cercados,

Levados então alienados?

Como retardar a destruição vindoura,

A implantação artificial de espaços verdes,

A ascensão arquitetônica das prisões envidraçadas,


O isolamento da criança em sua torre de concreto armado


Quem se lembrará do país da Guiana,

Vítima das promessas,

E doente de seu passado capturado?


Quem então se lembrará, irmãzinha selvagem,

Do país da Guiana,

Enquanto a infância maltratada das aldeias

Vai se afundar na louca idiotice

Das concentrações do lugarejo?


Quem se lembrará do país da Guiana?

O índio morreu por ter desmamado nossa

infância...




Poème des pluies d’avril

Assunta Renau Ferrer


Le ciel fond

Depuis ce matin.

Mon jardin

Baigné brillant,

Comme un bain

Qui rend triste,

Un bain qui rend songeur. 

Le vent froid

Dépose contre mes carreaux

Des baisers qui s’écoulent,

Larmes d’un ciel

En émoi ou en joie;

Larmes de saison

Qui couvrent ma vie.

Et pourtant au fond de moi,

S’allume l’incendie:

La lumineuse pulsion

D’un poète qui s’invite

Et vient jouer sur mes lignes,

Avant que la pluie

Ne sèche sa paupière 


Traversée de la poésie guyanaise, 2004




Poema de chuvas de abril

tradução de Josilene Pinheiro-Mariz


O céu derrete

Desde esta manhã.

Meu jardim,

Regado brilhante,

Como um banho

Que deixa triste,

Um banho que te faz sonhador.

O vento frio

Afaga meus azulejos

Com beijos que escorrem,

Lágrimas de um céu

Emocionado ou alegre;

Lágrimas sazonais

Que cobrem minha vida.

E, no entanto, no fundo de mim

Ateia o incêndio:

A luminosa pulsão

De um poeta que se convida

E vem brincar nas minhas linhas,

Antes que a chuva

Seque sua pálpebra




Ceux dont les mains nous parlent 

Assunta Renau Ferrer


Tes doigts dessinent la vie en silence,

Virevoltent en papillon de soleil.

Tes mains qui parlent de tes rêves

Nagent dans l’air du matin.

Et chaque message se dépose en secret

Dans la conscience de l’autre.

Quand les émotions sont ruisseaux à ton visage,

Quand, à l’heure du soir naissant,

Tes ombres sont paroles

Tandis que le vent lui-même

S’arrête pour écouter,

C’est une symphonie pour les yeux et le coeur.


Tes bras enlacent la vie en harmonie,

Dansent en ballets des lumières.

Ton rire qui dit tes joies

Se perd dans la brise qui passe.

Et chaque souvenir se rencontre en secret

Pour la mémoire d’un autre.

Quand les espoirs effacent les tristesses,

Quand, à l’heure des matins transparents,

Tes gestes sont des livres

Tandis que le temps lui-même

S’arrête pour lire,

C’est le concert qui s’offre et se dérobe.


Traversée de la poésie guyanaise, 2004




Aqueles cujas mãos nos falam

tradução de Josilene Pinheiro-Mariz


Teus dedos desenham a vida em silêncio,

Rodopiam como borboletas ao sol.

Tuas mãos que falam de teus sonhos

Nadam no ar da manhã.

E cada mensagem pousa em segredo

Na consciência do outro.

Quando as emoções são fluidezes no teu rosto,

Quando, na hora da noite nascente,

Tuas sombras são palavras

Enquanto o próprio vento

Pára para ouvir,

É uma sinfonia para os olhos e para o coração.


Teus braços entrelaçam a vida em harmonia,

Dançam em balés das luzes.

Teu riso que traduz tuas alegrias

Se perde na brisa que passa.

E cada lembrança se conta em segredo

Para memória de um outro.

Quando as esperanças apagam as tristezas,

Quando, na hora das manhãs transparentes,

Teus gestos são livros

Enquanto o próprio tempo

Pára para lê-los,

É o concerto que se oferece e se esconde.






Ana Cláudia Romano Ribeiro desenvolve projetos nos campos da tradução, das artes visuais, da escrita e da performance. Suas áreas de formação são Letras, Etnomusicologia, Teoria e História Literária e Estudos Clássicos. Atualmente é professora de literaturas de língua francesa no Departamento de Letras da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Em 2022, fez a curadoria do #poesiaqueer para A Capivara Cultural, onde coordena o NaLetra, com Deise Abreu Pacheco. Publicou O fragmento 31 de Safo e outros poemas (Urutau, 2023), A casa das pessoas (poemas, 7Letras, 2023), A vida de Deise, com Deise Abreu Pacheco (tirinhas, Hucitec, 2022), Sol talvez seja uma palavra (com o coletivo Anáguas, 7Letras, 2022) e Ave, semente (Editacuja, 2021). Duas de suas publicações mais recentes em periódico online são uma resenha desenhada para o romance desenhado Autoportrait de Paris avec chat, de Dany Laferrière (Criação & Crítica, 32, 2022), e “Figurações de pessoa-planta: traduzindo o poema Les pur-sang, de Aimé Césaire, à luz dos ensaios de Suzanne Césaire" (Translatio, 25, 2023). Traduziu, anotou e organizou a Utopia (1516) de Thomas More (Editora da UFPR), no prelo.







#tradução&poesia








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