Mirian Cristina dos Santos é Doutora em Letras (UFJF) e Especialista em Políticas de Promoção da Igualdade Racial (UFOP). Professora Adjunta do Instituto de Estudos do Xingu (IEX/Unifesspa). É autora do livro "Intelectuais Negras: prosa negro-brasileira contemporânea" (2018). Mirian também é idealizadora do Clube de Leitura Lendo EscritorAs.
Falando de escritoras negras, se você tivesse que destacar algumas contribuições literárias decisivas dessas mulheres, quais seriam?
Ler a autoria negra de mulheres em um campo complexo exige pensar o texto literário para além do texto, principalmente quando se intersecta gênero, raça, classe, sexualidade, entre outros atravessamentos. Apontar a possibilidade de uma leitura de mundo diversa e complexa – já que novas leituras e novos modos de narrar sinalizam o questionamento da existência de apenas uma versão da história – advinda da literatura negro-brasileira escrita por mulheres não é suficiente para tratar das suas contribuições, pois estamos falando de corpos que não eram sequer pensados enquanto humanos. Toda essa complexidade crítica atravessa o texto negro-brasileiro, por meio de um ponto de vista próprio de quem está na borda da história: é um corpo negro na orelha do livro, é um sobrenome popular na capa do livro, são corpos negros protagonistas no centro da narrativa. Tudo isso circula em um território de tensão, provocando questionamentos dentro do campo literário, de forma a desmistificar o território das letras enquanto lugar sagrado de apenas um grupo seleto da sociedade.
Em seu livro “Intelectuais negras: prosa negro-brasileira contemporânea” você investiga trabalhos de grandes autoras negras contemporâneas - Miriam Alves, Conceição Evaristo e Cristiane Sobral – o que distingue uma escritora de uma intelectual?
No livro “Intelectuais Negras”, proponho o reconhecimento de escritoras negras enquanto intelectuais. Nele abordo principalmente o papel de Miriam Alves, Conceição Evaristo e Cristiane Sobral no processo de luta por transformações sociais, principalmente no que tange a questões étnico-raciais, de gênero e de classe, a partir da literatura. Para essa discussão, separar intelectuais de escritoras em caixinhas seria um retrocesso. É preciso compreender que existe um imaginário em torno dessas categorias com personas “claramente” definidas. Ainda hoje a literatura negro-brasileira é pensada na academia enquanto testemunho ou notícia, pois a sociedade ainda tem dificuldade em enxergar corpos negros como aqueles que criam, imaginam, pensam, provocam fruições.
Muitas das autoras tratadas na #PRETAPALAVRA tem vínculos com a oralidade ou falam disso em seus trabalhos. Em sua pesquisa acadêmica essa relação com a oralidade também existe?
Na leitura crítica da literatura negro-brasileira de autoria de mulheres é essencial considerar a força da oralidade. Esta questão me faz lembrar das contribuições de Edouard Glissant (2005) e de Leda Martins (2003) para as minhas reflexões. Em suas discussões, Glissant (2005) – a partir da imagem do “homem nu” – ajuda a repensar a condição dos descendentes de africanos, que chegaram à América “despojados de tudo, de toda e qualquer possibilidade, e mesmo despojados de sua língua” (GLISSANT, 2005, p. 19). Eles contavam apenas com suas memórias. Assim, a partir de uma atualização, já que a História escrita dos negros enquanto sujeitos também é praticamente inexistente na história oficial brasileira, a memória oral passa igualmente a ser um elemento indispensável na narrativa negro-brasileiras, enquanto contranarrativas da nação. Já em Leda Maria Martins (2003), encontro em “oralitura”, como “performance possível dos conhecimentos e de saberes africanos disseminados na América”, atravessamentos para a força da oralidade no texto negro-brasileiro. Dessa forma, “oralitura” politicamente contribui para uma abertura sobre o que entendemos como literatura. Os textos de Miriam Alves, Conceição Evaristo e de Cristiane Sobral possibilitam tais discussões.
Quem são as novas “Carolinas”, as jovens autoras brasileiras que estão dando continuidade ao legado de Carolina Maria de Jesus, Conceição Evaristo, Miriam Alves e de tantas outras escritoras negras?
As novas “Carolinas” são muitas e são tantas que se torna difícil nomeá-las. Toda seleção é acompanhada de renúncias, dessa forma, prefiro não enumerar. Sabemos que por trás de cada escritora negra, que reluz pelas frestas racistas da lógica da “negra única”, inúmeras outras ficam de fora do mercado editorial, das feiras literárias, do currículo, da escola, da universidade, da capa do livro.
uma série de cursos, oficinas, aulas abertas e produção de conteúdo digital, que visa apresentar textos, poemas e pensamentos de mulheres negras, divulgando a "escrevivência" em seu sentido mais ancestral.
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