Faz pouco mais de uma semana, irremediável, que perdemos Alfredo Fressia (1948-2022): o grande poeta uruguaio morava há décadas em São Paulo, onde, em 2003, tive a sorte de conhecê-lo pessoalmente quando me convidou a ler poesia no Mosteiro São Bento, onde ele lecionava francês; de imediato, nos tornamos amigos próximos.
Feliz com a descoberta daquele poeta notável, logo escrevi um pequenino artigo sobre sua poesia, “Eclipse (real e metafórico)”; depois, chamado por Fábio Aristimunho Vargas, tive a honra de escrever o prefácio para Canto Desalojado (Lumme Editora, 2009), primeira e – até agora – única antologia do poeta em edição bilíngue espanhol-português, traduzida por Aristimunho e com posfácio de Rodrigo Petronio. Por fim, fiz o texto da quarta capa de Clandestin (L’Harmattan, 2013), antologia francesa organizada e traduzida pelo próprio Fressia e por Annie Salager, e publicada em Paris. Em particular, a parte de sua poesia dedicada ao amor homoerótico é facilmente uma das principais escritas por qualquer poeta nestes dois últimos séculos, e o que ele mesmo chamava penumbrista em sua poesia nada mais era do que uma densa experiência de linguagem e conhecimento, que chamei intimista em voz alta.
Fressia era homem discreto, e essa discrição atrasara talvez o reconhecimento generalizado de sua obra, muito refinada, que começou a ter o impacto merecido apenas com a publicação mexicana de sua antologia mais extensa, Eclipse, naquele mesmo 2003 em que o conheci. Pessoa doce, bem-humorada e de pensamento complexo (leitor muito consciente de Proust), Fressia falava excelente português com a pimenta de um leve sotaque atrevido, onde pontuava mordaz alguma palavra em espanhol e, sobretudo, em francês – agora, que já não posso conversar com meu amigo, me faz dolorosa falta ouvir na mente aquela sua fala singular, vívida, irônica. Era, igualmente, excelente leitor de poesia, com uma voz que, sem esforço, comandava atenção.
Para celebrar sua vida e sua poesia, trago aqui um de seus poemas, traduzido por mim, e também a foto de uma das vezes em que almoçamos juntos no centro de São Paulo, para tagarelar sobre todas as coisas. Recomendo àqueles & àquelas que ainda não conheçam sua obra, entre as mais importantes da poesia recente, encorajar-se a buscar o belo livro com que Fábio Aristimunho homenageou esse grande uruguaio que escolheu viver entre nós, aqui no Brasil.
Dirceu Villa
19.02.2022
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